O que me levou a ser professor?
Não é uma pergunta que costumo me fazer, mas é uma pergunta que freqüentemente escuto.
Não sei responder com exatidão. Resolvi fazer Letras porque não me via trabalhando com Direito e porque amava Literatura.
Comecei a lecionar porque era a alternativa mais óbvia para quem cursa Letras. Quando comecei o curso, eu sabia que em algum momento iria tentar ser professor. Só não sabia que isso um dia ia fazer parte da definição que faço de mim.
Somos, todos, muito daquilo que fazemos. Eu sou professor.
Sou professor a maior parte do meu dia, quase todos os meus dias. E não me vejo sendo outra coisa com tanta satisfação.
Eu não me vejo sendo só um, a lidar sempre as mesmas variantes.
Ser professor é ser múltiplo. É ser um em cada aluno, em cada turma, em cada lembrança ou esquecimento de ex-aluno.
Eu sou o amável e o grosso, o divertido e o chato, o alegre e o sério, o que interage e o que é fechado, ao mesmo tempo, no mesmo dia.
Não há rotina na vida de um professor.
Pode haver um milhão de obstáculos e dificuldades, mas não há monotonia.
Cada dia é um dia, não a cópia do anterior. Pois cada turma é um universo, cada aluno é um mundo.
Uns giram mais ao meu redor, por gostarem de mim ou por não gostarem de mim, por darem trabalho ou por serem participativos. – Ou eu giro ao redor deles?
Outros giram mais distantes, esquivos, às vezes indiferentes… – Ou eu me perco e não alcanço sua órbita?
Mas cada um deles compõe um todo que me completa, que me ajuda a me definir.
A sala de aula é minha terapia.
A sala de aula é o bar para onde vou beber para esquecer.
Eu bebo a vitalidade, a juventude, a alegria dos meus alunos.
Eu bebo o interesse, a curiosidade, a surpresa diante da descoberta de todos eles.
Eu bebo o imediatismo, a irresponsabilidade, a imaturidade de cada um deles.
E eles me dão bem mais do que eu posso dar.
Por isso eu me esforço, eu me preocupo, eu cobro demais, eu sofro quando vejo um sofrendo.
Sofrendo porque não vai poder ir ao o show de uma banda que adora, chorando porque tirou uma nota baixa, machucado pela perda do amor da vida toda que será logo esquecido amanhã.
Eu sofro quando eles sofrem por qualquer uma daquelas coisas que para nós são tão pequenas, tão banais, mas que, para eles, assumem uma significação tão grande que diante daquilo a vida perde sentido, naquele momento. Tudo tão intenso. Tão absoluto.
Eu sofro vejo que a vida começa a dar as primeiras rasteiras, às vezes cedo demais, cedo demais, de tantas que ainda dará.
Mas é um sofrimento que vem da alegria do afeto. É um sofrimento que é consequência de se sentir conectado.
Ser professor é estar diariamente saudando a vida.
Eu vivo cercado de vida, cercado de sorrisos e de carinho.
Carinhos de todos os tipos, da paixão platônica, à amizade. Do abraço expansivo à batidinha tímida no ombro.
E, enquanto escrevo, lembro daqueles que fazem meu dia mais leve, mais divertido, mais repleto de carinho.
Lembro dos que já não fazem parte do meu cotidiano, que agora estão encarando o desafio de crescer longe dos meus olhos.
E é gratificante, emocionante, encontrá-los por aí, crescidos.
É um orgulho. Mas não me orgulho de mim, não me orgulho por sentir que fiz parte. Sinto orgulho deles, por vê-los se sair bem nessa roda viva.
Ser professor é estar com os sentimentos sempre à mão.
Ser professor, para mim, exige um tipo de sensibilidade que eu não sei se um dia chegarei a ter, mas que busco todo dia alcançar.
É a sensibilidade de entender o outro, de lidar positivamente com as diferenças.
É a sensibilidade de saber ler os sinais, de não se afastar ante a raiva, ante a indiferença, ante a tristeza.
É a sensibilidade de saber gostar sem ser gostado, de se muitas vezes impotente, desnecessário, de entender que a preocupação que sente muitas vezes não lhe cabe.
É a sensibilidade de conviver também com a frustração.
Por isso meus alunos são minhas crianças.
Ser professor é ser paternal sem ser pai.
Steller de Paula